
Quando
pensamos em atividades na natureza logo nos animamos com a diversão que
teremos, o companheirismo, o contato puro com o meio ambiente e a fuga da
civilização, que muitas vezes nos traz tanto estresse.
Mas
uma atividade não planejada na natureza pode ser fatal.
Rotineiramente
temos notícias de atividades na natureza que acabaram mal, como grupos de
pessoas que se perderam, acidentes sem socorro imediato, afogamentos e muito
mais. Agora, entendendo que as notícias representam apenas uma pequena parcela
das ocorrências, podemos ter certeza que a quantidade de problemas graves
ocorridos em atividades na natureza é muito relevante.
Quando
as atividades são organizadas por adultos com a participação de crianças, a
preocupação com segurança e sobrevivência deve ser ainda maior. Crianças, por
terem composição física menor, sofrem mais rapidamente com desidratação,
hipotermia, intoxicação, envenenamento e outros problemas que podem surgir numa
emergência na natureza. Vamos exemplificar para facilitar o entendimento, como
o corpo da criança é menor, a quantidade de líquido no corpo também é menor,
portanto, numa situação de desidratação ou perda de sangue, uma criança pode
vir ao óbito bem antes que um adulto na mesma situação. Triste, mas verdadeiro.
Aqui
em nosso blog, focamos atividades de colecionismo, e muitos itens da natureza
podem ser colecionados, por isso gostaria de compartilhar com os desbravadores
e aventureiros alguns princípios de subsistência e segurança em atividades na
natureza.
Sobre
colecionar e montar um museu do clube, uma tradição interessante que todo clube
pode ter é trazer em cada uma dessas atividades na natureza uma “lembrança”
física além das fotos. Pode ser uma semente, uma pedra, uma concha, e muitas
outras pequeninas coisas que podem ser escolhidas.
Relembrando
que não devemos causar impactos ambientais, mas sim lutar pela preservação,
quando retirarmos algo, que seja simples e abundante no local. Esta pequena
retirada de um item natural, com o objetivo de aumentar nos corações juvenis o
respeito e carinho pela natureza, é justificável e nobre.
Uma
ideia para os clubes é solicitar que cada unidade apresente uma peça, como
lembrança do acampamento, e durante o encerramento a diretoria escolha qual
peça irá para o museu do clube. Como lembranças podemos ter: uma pequena
escultura em argila, um mini totem em madeira entalhada, um trançado de palha,
entre tantos outros.
Bem,
vamos ao princípio de Bases de Subsistência:
Este
princípio se fundamenta em estar minimamente preparado para o local de maior
escassez de recursos, e para isso, o preparo e planejamento devem iniciar no
local de maior abundância de recursos. Quando falamos de recursos, queremos
dizer “meios de resposta aos riscos”. Portanto, os recursos são tudo o que
precisamos para manter o bem estar e evitar danos diante de um risco.
Sendo
assim, dividimos os locais em Bases de Subsistência, partindo do local de maior
abundância para o local de maior escassez de recursos.
1)
Base
Primária ou Base Principal (maior abundância de recursos) – Esta é a sua casa,
sua cidade, seu bairro. Onde numa situação de emergência você pode ir, em
segundos, até a casa vizinha e pedir ajuda, onde o celular está [quase] sempre
com sinal, onde tem telefone público bem perto, onde você pode pegar facilmente
um veículo (seu carro, um táxi ou ônibus), onde você tem comida, roupas e
medicamentos estocados ou facilmente adquiríveis.
2)
Bases
Secundárias ou Bases Intermediárias (médios recursos) – Quando vamos para uma
atividade na natureza, devemos saber onde estão as Bases Intermediárias para
voltarmos a elas no menor tempo possível. Estes locais podem ser o limite do
município, um local ou lugarejo onde há comércio ou um posto de saúde, onde
existe sinal para telefone celular, pessoas que podem ajudar numa situação de
emergência, uma rodovia onde se possa pedir ajuda, uma casa de fazenda, o local
onde foram estacionados os carros dos acampantes e assim por diante. A ideia é
que chegando nestes lugares teremos condições ou apoio para uma situação de
emergência (transporte, suprimentos, alimentação, atendimento médico, entre
outros).
3)
Base
Final ou Acampamento (recursos escassos) – Chegamos neste local com poucos
recursos, basicamente com o que temos nas mochilas. Aqui temos abrigo (barraca,
por exemplo), onde temos alimentação (uma cozinha de campanha, por exemplo), e
é onde armazenamos nossos materiais e ferramentas. Este local, em comparação
com os anteriores, apresenta menores meios de resposta aos riscos e devemos
estar preparados para ele. Note que riscos existem em todos os lugares, os
meios de resposta aos riscos é que reduzem conforme nos afastamos da região de
nossa Base Principal. Entre os riscos podemos citar: algum problema de saúde prévio,
como infecção, ou adquirido no local, como uma alimentação que fez mal ou
causou reação alérgica; acidente com fratura ou perda de sangue; tempestade que
molhou as roupas e frio sem agasalhos e abrigos adequados, entre outros
problemas. A permanência do bem estar, ou o retorno ao bem estar, depende do
preparo para a viagem a este local com o que deve ser levado e a possibilidade
de ir rapidamente às bases de maiores recursos para buscar mais suprimentos ou
para conduzir pessoas em situação de emergência.
4)
Passeios
ou Atividades na Natureza (mínimos recursos) – Os passeios são os momentos de
maior risco, pois é quando saímos do acampamento para uma atividade “mais
radical” e tendo conosco o mínimo de recursos para uma situação de emergência.
Como exemplo, citamos: caminhada, escalada ou rapel, pescaria, banho, recolher
lenha, entre outras atividades. Geralmente são nestas atividades que ocorrem os
mais graves problemas, como pessoas que se perdem, acidentes com fratura ou
hemorragia por quedas em locais de difícil acesso, mudanças climáticas
drásticas com chuva, raios, vento forte e queda de temperatura, alagamentos,
entre outros. Como consideramos que o acampamento está muito perto, saímos com
pouquíssimos recursos para estes passeios. Isso é um erro grave, pois um apito,
um agasalho, uma lanterna ou um isqueiro podem ser a diferença entre a vida e a
morte. Ter sempre um mini-kit de sobrevivência consigo para as atividades na
natureza, por mais inocentes e banais que sejam, é um bom hábito. Além deste kit,
o ideal é que não haja saídas de pessoas sozinhas e que haja boa comunicação
antes do passeio para que outras pessoas possam organizar uma busca em caso de
demora no retorno.
Esquemático
do Princípio de Bases de Subsistência:
Nem
sempre temos as bases bem definidas e algumas vezes as atividades na natureza
podem ser longas, portanto, devemos pensar sempre em quais recursos (meios de
resposta aos riscos) precisamos levar conosco para cada etapa do caminho.
Um
kit de subsistência para acampamento pode incluir barraca, fogareiro, panelas, alimentos,
estojo de primeiros socorros, lanternas, e muitos outros itens, mas para uma
atividade rápida na natureza não queremos carregar muito peso, e muitas vezes
nem podemos carregar muito peso, mas não podemos nos abster do essencial. Por
isso fazemos um kit menor (mini-kit).
Como
experiência pessoal (e tenho várias), me lembro de um sábado de sol, um dia
quente de céu azul quase sem nuvens. Pela programação, iríamos sair do
acampamento e fazer uma caminhada por um bosque elevado até o topo de um
pequeno morro.
Coloquei
calça comprida, calçado fechado e amarrei uma camisa de mangas compridas na
cintura, peguei meu boné (chapéu australiano), uma lanterna e fui para a trilha
com o pessoal.
Um
amigo pegou uma corda (cabo solteiro de uns 5 metros ) e estava vestido
como eu, mas a maioria estava de bermuda (ou short), camiseta e chinelo.
Durante a caminhada os dois “selvagens” foram motivo de muita gozação.
Chegamos
a uma pequena clareira no topo e começamos um culto. Cantávamos alegremente,
falávamos passagens bíblicas e orávamos... Até que começou um vento mais forte
próximo da hora do por do sol, então o céu ficou totalmente coberto de nuvens
escuras e quando a noite caiu, trouxe com ela uma chuva muito forte.
Da
hora que começamos a caminhar para subir ao morro pelo bosque, com límpido céu
azul, até o início de uma noite com chuva torrencial, se passaram pouco mais de
2 horas! O clima pode mudar muito rápido e te pegar de surpresa. Esteja
preparado!
Para
um grupo de mais de trinta pessoas tínhamos apenas duas lanternas para nos
guiarmos no escuro e, por várias vezes, fomos obrigados a usar a única corda
que tínhamos para evitar que saíssemos da trilha. A água da chuva escorria pela
trilha numa mistura de lama, areia e folhas. Ajudávamo-nos mutuamente, mas
ainda assim algumas pessoas choravam (e todos eram adultos).
Enfim
conseguimos voltar ao acampamento. O saldo apresentava pessoas descalças
(chinelos que se arrebentaram na descida), arranhões em joelhos e cotovelos e
muitos espinhos nos pés e nas mãos. Uma cena que jamais me esquecerei, foi a de
uma mocinha com uma das mãos com muitos pontinhos pretos de espinhos, chorando
sentada debaixo de um toldo, enquanto outra garota retirava os espinhos com uma
pinça.
Eu
mesmo evitei por muito pouco, numa das escorregadas pela lama, um encontrão com
um tucum (palmeira com tronco coberto por espinhos pretos e também espinhos na
parte de baixo do talo das folhas).
Tucum
Se
todos estivessem adequadamente trajados, os problemas seriam menores. Se
tivéssemos mais lanternas e algumas cordas, muito provavelmente não teríamos
sofrido com os espinhos do caminho.
Quando
falamos de sobrevivência, devemos pensar em cinco áreas essenciais:
1)
Abrigo
2)
Água
3)
Fogo
4)
Orientação
/ Sinalização
5)
Alimentação
No
caso apresentado, em que sabíamos o caminho (não estávamos perdidos), mas
estávamos sofrendo com a mudança climática, os itens que nos foram mais úteis
(e seriam ainda mais úteis se várias pessoas os estivessem utilizando), foram:
Abrigo
– Trajes adequados (calçado fechado e de boa aderência, calça grossa, camisa de
manga comprida e cobertura na cabeça). A corda que utilizamos também entra na
categoria abrigo, mas ela tem muitas outras utilidades. É sempre bom colocar em
um dos bolsos (ou num mini-kit) um saco plástico grande de lixo, que pode ser
usado como capa de chuva.
Água
– Não me fale em água! Estava chovendo muito naquela noite. Mas em geral é bom
ter uma garrafa de água ou cantil em qualquer passeio na natureza. Devemos ter
muito cuidado com a desidratação, principalmente em crianças.
Fogo
– Naquele caso não havia necessidade de fazer fogo, pois sabíamos para onde
íamos e que chegaríamos em pouco tempo, mas é sempre bom ter no mini-kit de
sobrevivência algum item para fazer fogo (fósforo impermeável, pederneira ou
isqueiro).
Orientação
/ Sinalização – Nós utilizamos muito as lanternas naquela noite de chuva, mas é
bom ter no mini-kit, além da essencial lanterna, uma pequena bússola e um
apito. Hoje em dia encontramos à venda facilmente uma pequena lanterna de led
com dínamo (pressionando-se uma alavanca várias vezes, geramos a energia para a
iluminação, algo muito útil).
Alimentação
– Naquela situação não tínhamos pressa de comer, apenas pressa de sair da chuva
e voltar ao acampamento, onde realmente comemos uma deliciosa refeição. O ser
humano pode ficar sem comida por um período longo e, por isso, esse item é o
último da lista. Não adianta ter num mini-kit de emergência comida que se
estraga com o passar do tempo e ocupa muito espaço, o ideal é carregar algo na
hora de sair e também estar preparado para encontrar o alimento na natureza em
caso de estar perdido (conhecer frutas silvestres comestíveis, por exemplo).
Fazer
um mini-kit de sobrevivência para atividades na natureza não é difícil:
-
Saco plástico grande de lixo ou uma lona;
-
Lanterna pequena (pode ser a que comentei, com dínamo);
-
Isqueiro, pederneira (bastão de faíscas) ou fósforos impermeáveis;
-
Um canivete pequeno (ter um objeto de corte pode ser muito útil);
-
Apito
-
Bússola pequena
-
Rolinho de corda fina (ao menos 20 metros ). Corda mesmo, ok? Que aguente um
peso razoável e tenha várias utilidades.
Não
esqueça de que tão importante quanto estar equipado é saber o que fazer com o
que se tem em mãos.
Conhecimento e atitude são tão importantes, ou até mais, que
os equipamentos numa situação de emergência.
Normalmente,
quando saio de um acampamento para alguma atividade externa, como cortar bambu
ou explorar o local, eu me visto adequadamente (sem esquecer o boné), pego
minha pochete de camping com um mini-kit dentro, prendo nela um cantil, um
facão e uma faca, coloco por cima do ombro atravessando o peito, junto com um
rolo de uns dez metros de corda grossa. Assim eu me sinto bem seguro e tranquilo.
E não, eu não me importo com a zombaria de ninguém.
Sempre
avante!