domingo, 24 de fevereiro de 2013

Atividades na Natureza e o Princípio das Bases de Subsistência

 



Quando pensamos em atividades na natureza logo nos animamos com a diversão que teremos, o companheirismo, o contato puro com o meio ambiente e a fuga da civilização, que muitas vezes nos traz tanto estresse.

Mas uma atividade não planejada na natureza pode ser fatal.

Rotineiramente temos notícias de atividades na natureza que acabaram mal, como grupos de pessoas que se perderam, acidentes sem socorro imediato, afogamentos e muito mais. Agora, entendendo que as notícias representam apenas uma pequena parcela das ocorrências, podemos ter certeza que a quantidade de problemas graves ocorridos em atividades na natureza é muito relevante.

Quando as atividades são organizadas por adultos com a participação de crianças, a preocupação com segurança e sobrevivência deve ser ainda maior. Crianças, por terem composição física menor, sofrem mais rapidamente com desidratação, hipotermia, intoxicação, envenenamento e outros problemas que podem surgir numa emergência na natureza. Vamos exemplificar para facilitar o entendimento, como o corpo da criança é menor, a quantidade de líquido no corpo também é menor, portanto, numa situação de desidratação ou perda de sangue, uma criança pode vir ao óbito bem antes que um adulto na mesma situação. Triste, mas verdadeiro.

Aqui em nosso blog, focamos atividades de colecionismo, e muitos itens da natureza podem ser colecionados, por isso gostaria de compartilhar com os desbravadores e aventureiros alguns princípios de subsistência e segurança em atividades na natureza.

Sobre colecionar e montar um museu do clube, uma tradição interessante que todo clube pode ter é trazer em cada uma dessas atividades na natureza uma “lembrança” física além das fotos. Pode ser uma semente, uma pedra, uma concha, e muitas outras pequeninas coisas que podem ser escolhidas.

Relembrando que não devemos causar impactos ambientais, mas sim lutar pela preservação, quando retirarmos algo, que seja simples e abundante no local. Esta pequena retirada de um item natural, com o objetivo de aumentar nos corações juvenis o respeito e carinho pela natureza, é justificável e nobre.

Uma ideia para os clubes é solicitar que cada unidade apresente uma peça, como lembrança do acampamento, e durante o encerramento a diretoria escolha qual peça irá para o museu do clube. Como lembranças podemos ter: uma pequena escultura em argila, um mini totem em madeira entalhada, um trançado de palha, entre tantos outros.

Bem, vamos ao princípio de Bases de Subsistência:

Este princípio se fundamenta em estar minimamente preparado para o local de maior escassez de recursos, e para isso, o preparo e planejamento devem iniciar no local de maior abundância de recursos. Quando falamos de recursos, queremos dizer “meios de resposta aos riscos”. Portanto, os recursos são tudo o que precisamos para manter o bem estar e evitar danos diante de um risco.

Sendo assim, dividimos os locais em Bases de Subsistência, partindo do local de maior abundância para o local de maior escassez de recursos.

1)     Base Primária ou Base Principal (maior abundância de recursos) – Esta é a sua casa, sua cidade, seu bairro. Onde numa situação de emergência você pode ir, em segundos, até a casa vizinha e pedir ajuda, onde o celular está [quase] sempre com sinal, onde tem telefone público bem perto, onde você pode pegar facilmente um veículo (seu carro, um táxi ou ônibus), onde você tem comida, roupas e medicamentos estocados ou facilmente adquiríveis.

2)     Bases Secundárias ou Bases Intermediárias (médios recursos) – Quando vamos para uma atividade na natureza, devemos saber onde estão as Bases Intermediárias para voltarmos a elas no menor tempo possível. Estes locais podem ser o limite do município, um local ou lugarejo onde há comércio ou um posto de saúde, onde existe sinal para telefone celular, pessoas que podem ajudar numa situação de emergência, uma rodovia onde se possa pedir ajuda, uma casa de fazenda, o local onde foram estacionados os carros dos acampantes e assim por diante. A ideia é que chegando nestes lugares teremos condições ou apoio para uma situação de emergência (transporte, suprimentos, alimentação, atendimento médico, entre outros).



3)     Base Final ou Acampamento (recursos escassos) – Chegamos neste local com poucos recursos, basicamente com o que temos nas mochilas. Aqui temos abrigo (barraca, por exemplo), onde temos alimentação (uma cozinha de campanha, por exemplo), e é onde armazenamos nossos materiais e ferramentas. Este local, em comparação com os anteriores, apresenta menores meios de resposta aos riscos e devemos estar preparados para ele. Note que riscos existem em todos os lugares, os meios de resposta aos riscos é que reduzem conforme nos afastamos da região de nossa Base Principal. Entre os riscos podemos citar: algum problema de saúde prévio, como infecção, ou adquirido no local, como uma alimentação que fez mal ou causou reação alérgica; acidente com fratura ou perda de sangue; tempestade que molhou as roupas e frio sem agasalhos e abrigos adequados, entre outros problemas. A permanência do bem estar, ou o retorno ao bem estar, depende do preparo para a viagem a este local com o que deve ser levado e a possibilidade de ir rapidamente às bases de maiores recursos para buscar mais suprimentos ou para conduzir pessoas em situação de emergência.



4)     Passeios ou Atividades na Natureza (mínimos recursos) – Os passeios são os momentos de maior risco, pois é quando saímos do acampamento para uma atividade “mais radical” e tendo conosco o mínimo de recursos para uma situação de emergência. Como exemplo, citamos: caminhada, escalada ou rapel, pescaria, banho, recolher lenha, entre outras atividades. Geralmente são nestas atividades que ocorrem os mais graves problemas, como pessoas que se perdem, acidentes com fratura ou hemorragia por quedas em locais de difícil acesso, mudanças climáticas drásticas com chuva, raios, vento forte e queda de temperatura, alagamentos, entre outros. Como consideramos que o acampamento está muito perto, saímos com pouquíssimos recursos para estes passeios. Isso é um erro grave, pois um apito, um agasalho, uma lanterna ou um isqueiro podem ser a diferença entre a vida e a morte. Ter sempre um mini-kit de sobrevivência consigo para as atividades na natureza, por mais inocentes e banais que sejam, é um bom hábito. Além deste kit, o ideal é que não haja saídas de pessoas sozinhas e que haja boa comunicação antes do passeio para que outras pessoas possam organizar uma busca em caso de demora no retorno.


Esquemático do Princípio de Bases de Subsistência:



Nem sempre temos as bases bem definidas e algumas vezes as atividades na natureza podem ser longas, portanto, devemos pensar sempre em quais recursos (meios de resposta aos riscos) precisamos levar conosco para cada etapa do caminho.

Um kit de subsistência para acampamento pode incluir barraca, fogareiro, panelas, alimentos, estojo de primeiros socorros, lanternas, e muitos outros itens, mas para uma atividade rápida na natureza não queremos carregar muito peso, e muitas vezes nem podemos carregar muito peso, mas não podemos nos abster do essencial. Por isso fazemos um kit menor (mini-kit).

Como experiência pessoal (e tenho várias), me lembro de um sábado de sol, um dia quente de céu azul quase sem nuvens. Pela programação, iríamos sair do acampamento e fazer uma caminhada por um bosque elevado até o topo de um pequeno morro.

Coloquei calça comprida, calçado fechado e amarrei uma camisa de mangas compridas na cintura, peguei meu boné (chapéu australiano), uma lanterna e fui para a trilha com o pessoal.

Um amigo pegou uma corda (cabo solteiro de uns 5 metros) e estava vestido como eu, mas a maioria estava de bermuda (ou short), camiseta e chinelo. Durante a caminhada os dois “selvagens” foram motivo de muita gozação.

Chegamos a uma pequena clareira no topo e começamos um culto. Cantávamos alegremente, falávamos passagens bíblicas e orávamos... Até que começou um vento mais forte próximo da hora do por do sol, então o céu ficou totalmente coberto de nuvens escuras e quando a noite caiu, trouxe com ela uma chuva muito forte.

Da hora que começamos a caminhar para subir ao morro pelo bosque, com límpido céu azul, até o início de uma noite com chuva torrencial, se passaram pouco mais de 2 horas! O clima pode mudar muito rápido e te pegar de surpresa. Esteja preparado!

Para um grupo de mais de trinta pessoas tínhamos apenas duas lanternas para nos guiarmos no escuro e, por várias vezes, fomos obrigados a usar a única corda que tínhamos para evitar que saíssemos da trilha. A água da chuva escorria pela trilha numa mistura de lama, areia e folhas. Ajudávamo-nos mutuamente, mas ainda assim algumas pessoas choravam (e todos eram adultos).

Enfim conseguimos voltar ao acampamento. O saldo apresentava pessoas descalças (chinelos que se arrebentaram na descida), arranhões em joelhos e cotovelos e muitos espinhos nos pés e nas mãos. Uma cena que jamais me esquecerei, foi a de uma mocinha com uma das mãos com muitos pontinhos pretos de espinhos, chorando sentada debaixo de um toldo, enquanto outra garota retirava os espinhos com uma pinça.

Eu mesmo evitei por muito pouco, numa das escorregadas pela lama, um encontrão com um tucum (palmeira com tronco coberto por espinhos pretos e também espinhos na parte de baixo do talo das folhas).


Tucum

Se todos estivessem adequadamente trajados, os problemas seriam menores. Se tivéssemos mais lanternas e algumas cordas, muito provavelmente não teríamos sofrido com os espinhos do caminho.

Quando falamos de sobrevivência, devemos pensar em cinco áreas essenciais:

1)     Abrigo
2)     Água
3)     Fogo
4)     Orientação / Sinalização
5)     Alimentação

No caso apresentado, em que sabíamos o caminho (não estávamos perdidos), mas estávamos sofrendo com a mudança climática, os itens que nos foram mais úteis (e seriam ainda mais úteis se várias pessoas os estivessem utilizando), foram:

Abrigo – Trajes adequados (calçado fechado e de boa aderência, calça grossa, camisa de manga comprida e cobertura na cabeça). A corda que utilizamos também entra na categoria abrigo, mas ela tem muitas outras utilidades. É sempre bom colocar em um dos bolsos (ou num mini-kit) um saco plástico grande de lixo, que pode ser usado como capa de chuva.

Água – Não me fale em água! Estava chovendo muito naquela noite. Mas em geral é bom ter uma garrafa de água ou cantil em qualquer passeio na natureza. Devemos ter muito cuidado com a desidratação, principalmente em crianças.

Fogo – Naquele caso não havia necessidade de fazer fogo, pois sabíamos para onde íamos e que chegaríamos em pouco tempo, mas é sempre bom ter no mini-kit de sobrevivência algum item para fazer fogo (fósforo impermeável, pederneira ou isqueiro).

Orientação / Sinalização – Nós utilizamos muito as lanternas naquela noite de chuva, mas é bom ter no mini-kit, além da essencial lanterna, uma pequena bússola e um apito. Hoje em dia encontramos à venda facilmente uma pequena lanterna de led com dínamo (pressionando-se uma alavanca várias vezes, geramos a energia para a iluminação, algo muito útil).

Alimentação – Naquela situação não tínhamos pressa de comer, apenas pressa de sair da chuva e voltar ao acampamento, onde realmente comemos uma deliciosa refeição. O ser humano pode ficar sem comida por um período longo e, por isso, esse item é o último da lista. Não adianta ter num mini-kit de emergência comida que se estraga com o passar do tempo e ocupa muito espaço, o ideal é carregar algo na hora de sair e também estar preparado para encontrar o alimento na natureza em caso de estar perdido (conhecer frutas silvestres comestíveis, por exemplo).

Fazer um mini-kit de sobrevivência para atividades na natureza não é difícil:

- Saco plástico grande de lixo ou uma lona;
- Lanterna pequena (pode ser a que comentei, com dínamo);
- Isqueiro, pederneira (bastão de faíscas) ou fósforos impermeáveis;
- Um canivete pequeno (ter um objeto de corte pode ser muito útil);
- Apito
- Bússola pequena
- Rolinho de corda fina (ao menos 20 metros). Corda mesmo, ok? Que aguente um peso razoável e tenha várias utilidades.

Não esqueça de que tão importante quanto estar equipado é saber o que fazer com o que se tem em mãos. Conhecimento e atitude são tão importantes, ou até mais, que os equipamentos numa situação de emergência.

Normalmente, quando saio de um acampamento para alguma atividade externa, como cortar bambu ou explorar o local, eu me visto adequadamente (sem esquecer o boné), pego minha pochete de camping com um mini-kit dentro, prendo nela um cantil, um facão e uma faca, coloco por cima do ombro atravessando o peito, junto com um rolo de uns dez metros de corda grossa. Assim eu me sinto bem seguro e tranquilo. E não, eu não me importo com a zombaria de ninguém.

Sempre avante!

Nenhum comentário:

Postar um comentário